Tosqueiras Musicais

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

"TOSQUEIRA" 6: Números Transreais, Ontologia e o Princípio de não-Contradição

Walter Gomide

Admitamos, inicialmente, que cada objeto com que lidamos, ordinariamente ou não, tenha infinitos atributos. Mesmo que tal tese possa parecer arbitrária, é bem mais intuitiva do que a contraditória que afirma que a quantidade de atributos é finita. 

Desta maneira, concebamos que para cada objeto c, há um conjunto $P$ de seus atributos, e a cardinalidade de $P$ é infinita. A natureza deste infinito cardinal, se enumerável ou não, é algo que deixamos de lado momentaneamente. Usando o axioma da escolha – de fato, a lógica por trás do que está por vir é uma lógica similar àquela que Edward Zalta usa em seus “Abstract Objects” e, portanto, é uma lógica de segunda ordem, enriquecida pela axioma da escolha. Quanto à teoria dos conjuntos que se propõe aqui, isto é algo que deixaremos a definir mais tarde, no decorrer da exposição-, podemos bem ordenar o conjunto $P$, de tal forma que este possa ser apresentado como o conjunto:

$\Pi = [\lambda xF^{1}x, \lambda xF^2x, ..., \lambda xF^{a}x,... [$,

sendo $\alpha$ um número ordinal de Cantor de $n$-ésima classe de números, sendo $n \geq 1$. Os atributos pertencentes ao conjunto $\Pi$  podem ser espácio-temporais ou não.

Na lógica de segunda ordem e “infinitária” em que estamos analisando os atributos de $c$, podemos formular a seguinte conjunção verdadeira:

$\bigwedge_{1}^{\alpha < \beta} \hspace{1mm} [\lambda xF^{\beta}x]c$

Simplesmente, a fórmula acima expressa que todos os atributos que estão em $\Pi$ são propriedades de $c$ – o termo $\beta$ indica a cardinalidade infinita de $\Pi$. Obviamente, se retirarmos pelo menos um atributo de $\Pi$, a fórmula acima se torna falsa, posto que estamos admitindo a validade do princípio de não-contradição, isto é, a fórmula:

$\forall x \hspace{1mm} \forall (\lambda yF^{\beta}y) \hspace{1mm} [\neg ( [\lambda yF^{\beta}y]x \wedge \neg [\lambda yF^{\beta}y]x)]$

é sempre verdadeira.

Dentro da perspectiva ontológica que está sendo proposta neste artigo, podemos dizer que o conjunto $\Pi$ é a essência de $c$.

$\Pi^{(1)} = [\lambda xF^{2} x, ..., \lambda xF^{\alpha}x, ...[$.

Por procedimentos sucessivos, chegamos à sequência de campos ônticos $\Pi^{(1)}$, $\Pi^{(2)}$, ... $\Pi^{(n)}$, ... $\Pi^{(a)}$. O campo ôntico $\Pi^{(\alpha)}$ é o limite deste processo infinitário. Cabe dizer que a natureza deste campo limite pode ser inferida a partir da aritmética transfinita envolvendo cardinais. A cardinalidade do campo inicial $\Pi$ é igual a $\beta$ e, portanto, a cardinalidade do campo limite $Pi^{(\alpha)} é igual a:

$\beta - \beta$.

Sabe-se da aritmética cantoriana dos cardinais transfinito que tal subtração – que nada mais é do que a adição $\beta  + ( -\beta)$ – é indeterminada, isto é, o resultado desta soma tanto pode ser o conjunto vazio, um conjunto finito ou um conjunto infinito de cardinalidade $\beta$. Na realidade, devido a esta indeterminação, Cantor vetou a subtraçao dos cardinais transfinitos. 

Entretanto, na aritmética dos transreais, tal indeterminação na subtração de infinitos é nomeada pelo número “nullity” $\Phi$, o qual é definido como:

$\Phi = 0/0$.

Assim, podemos apresentar a subtração $(\beta  - \beta )$, traduzida para a aritmética transreal, da forma seguinte:

$\infty - \infty = \Phi$.

Este resultado expressa aritmeticamente a indeterminação da subtração entre infinitos, vistos aqui como representativos de cardinalidades de conjuntos infinitos. Assim, o conjunto resultante desta subtração não é definido, podendo tanto ser o conjunto vazio, ou um conjunto finito, ou mesmo um infinito.

Levando em conta esta indeterminação, representemos o campo ôntico $\Pi^{\alpha}$ da forma seguinte:

$\Pi^{(\alpha)}= \{ ... \}$.

Tal representação nos sugere a completa indeterminação do campo ôntico limite, e podemos afirmar que a cardinalidade de tal campo é “nullity”, isto é:

$Card \{ ... \} = \Phi$.

Na realidade, o campo ôntico $\Pi^{(\alpha)}$ representa o nada ontológico, uma situação em que o objeto $c$ está completamente fora de qualquer possibilidade de inserção na lógica predicativa, posto que mal sabemos se ele tem propriedades ou não, uma vez $\{ ... \}$ pode ter elementos ou ser um conjunto vazio. 

De fato, nesta condição limite, nem mesmo podemos garantir do princípio de não contradição. Mas por que razão o princípio de não contradição falharia no caso limite em que ficamos diante do nada ontológico, figurado sob a forma do conjunto indeterminado $\{ ... \}$? Para ver como isto se dá, consideremos uma propriedade qualquer $\lambda x \Omega x$. Esta propriedade, qualquer que esta seja, se aplica a $\{ ... \}$? Primeiramente, para respondermos a esta pergunta, temos de ter em mente que não temos nenhuma intuição da natureza conjuntística de $\{ ... \}$. Como resultado de uma subtração entre conjuntos infinitos, tal conjunto pode ser finito, infinito ou vazio. Mas estas possibilidades não são excludentes entre si; trata-se, metaforicamente, de um conjunto equívoco em que todas estas três possibilidade estão “superpostas”. Assim, os três casos relativos à cardinalidade de $\{ ... \}$ são simultâneos e não dizem respeito a possibilidades lógicas distintas, mas colapsam três casos contraditórios em um só – daí a interdição que a subtração de cardinais transfinitos tem na teoria de Cantor. 

Portanto, não se pode definir se $\lambda x \Omega x \in \{...\}$, e nem se $\lambda x \Omega x \not\in \lambda x \Phi x$. Desta maneira, o princípio de não contradição, expresso sob a forma de:

$\forall x \forall (\lambda y \Omega y) \hspace{1mm} [\neg ([\lambda y \Omega y]x \wedge \neg [\lambda y \Omega y]x)]$,

tem valor indeterminado, posto que a conjunção $[\lambda y \Omega y]x \wedge \neg [\lambda y \Omega y]x$ é indeterminada, e a negação desta conjunção também o é.

“Toscamente” falando, uma ontologia que admita a presença do nada acaba gerando situações em que o princípio de não-contradição é silenciado quanto à sua força lógica.


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