Em várias estruturas algébricas da matemática, temos as figuras dos elementos neutro e simétrico. Tomando a adição como exemplo, a relação entre estes elementos se dá na afirmação geral de que, dado um elemento x de um domínio de objetos, existe o simétrico $(-x)$ tal que:
$x + (-x) = 0$,
sendo $0$ o elemento neutro.
Visto pictoriamente, o simétrico de um elemento $x$ é o caminho que devemos percorrer para voltarmos à origem $0$, após um deslocamento igual a $x$. Sendo assim, o simétrico restitui o que é devido e, com esta restituição, voltamos ao ponto $0$ de uma dada situação algébrica; este ponto $0$, por sua vez, indica um estado originário ou um acréscimo que em nada altera uma configuração determinada: o elemento neutro representa, por assim dizer, a resultante de forças que mantém uma configuração na sua mesmidade originária (criação imagético-conceitual bem “tosca”, mas, creio eu, com valor heurístico).
Portanto, para os domínios de objetos que se assemelham entre si por força de serem, em algum grau, ilustrados por esta imagem geométrica de deslocamentos com seus termos reversíveis, tais como as forças da física clássica ou a aritmética dos números reais, a presença dos elementos simétricos e nulo é quase que imediatamente verificada: onde houver vetores orientados de alguma maneira haverá simetria e o consequente elemento neutro; onde houver a imagem dos eixos definidores de imagens especulares haverá elementos simétricos ou neutros.
Mas como se comportariam tais espelhos com seus elementos reversos se houvesse objetos refletidos de tamanho infinito? Em outras palavras, o que esperar da expressão
$x + (-x) = x – x$,
quando $x$ for infinito?
Podemos responder a tal questão de duas maneiras distintas. Em primeiro lugar, é possível admitir, como é feito na álgebra dos números surreais ou dos números hiper-reais, que a infinitude dos objetos envolvidos em nada altera o espelho fundamental que determina a simetria e o elemento neutro e, assim, teríamos que para os números infinitos $\infty$ (aqui o símbolo “$\infty$” é usado como uma variável cujo campo de atuação é qualquer número infinito; em geral, tais números são os transfinitos de Cantor, tomados em sentido ordinal, que são vertidos para a aritmética dos surreais ou dos hiper-reais), vale o seguinte:
$\infty - \infty = 0$
Desta forma, as presenças do simétrico e do elemento neutro são garantidas para os números infinitos, vistos aqui como vetores cujos módulos ultrapassam qualquer módulo de vetores finitos.
Entretanto, podemos admitir, assim como fez Cantor na sua teoria original sobre os cardinais transfinitos, que o espelho aritmético falha ao refletir as imagens de números infinitos e, portanto, temos que:
$\infty - \infty \neq 0$.
Mais especificamente, sendo $\infty$ um número cardinal transfinito, o resultado de $\infty - \infty$, na aritmética cantoriana dos números cardinais transfinitos, em geral é indeterminado: a subtração na aritmética de Cantor é uma operação que não é totalmente definida; ela é falha na presença de argumentos transfinitos.
Conclui-se disto que o espelho no mundo dos transfinitos de Cantor esfumaça a simetria e o consequente elemento neutro: no infinito, a bela imagem de vetores de sentidos opostos e de mesmo módulo e direção se anulando e voltando a uma origem fundante, uma espécie de tensão dialética reparadora, não cabe; os vetores infinitos não se anulam e, ao contrário, geram nuvens de indeterminação que não tem nome no vocabulário aritmético transfinito.
Entretanto, existe a possibilidade de nomearmos inequivocamente tal nuvem, e esta possibilidade encontramos na aritmética dos números transreais, domínio numérico que foi criado por James Anderson, cientista inglês da computação, por volta de 1995 (cabe aqui ressaltar que eu tenho a honrar de ser um dos divulgadores dos transreais no Brasil, além de ser, juntamente com Tiago Reis e o próprio James Anderson, um dos criadores da semântica total e do hiperespaço proposicional baseado nos transreais). Nos números transreais, introduzimos três constantes fundamentais, a saber:
a) $1/0 = \infty$;
b) $-1/0 = - \infty$;
c) $0/0 = \Phi (Nullity)$.
Os números $1/0$ e $-1/0$, respectivamente, são vetores de sentidos contrários, mesma direção e de tamanho absolutamente infinitos: são infinitos maiores do que qualquer transfinito cantoriano e, neste sentido, se uma vez fossem traduzidos à teoria dos conjuntos, seriam representativos de quantidades infinitas que não podem ser superadas por nenhum outro infinito passível de ser apresentado com um transfinito (talvez fosse o caso de ver tais infinitos, $1/0$ e $-1/0$, como classe próprias no sentido de Von Neumann). Por seu turno, o $0/0$ é um número indicativo da superposição de todos os números reais – ele é o resultado da expressão $0 = 0x$, o que equivale dizer que ele aponta para todos os reais ao mesmo tempo: trata-se de um número equívoco, um objeto novo na ontologia da matemática, posto que pode ser visto como o amálgama de todos os reais, o número que condensa em si todos o domínio dos números reais: um apéiron matemático que não pode ser comparado com nenhum outro número e que, através de qualquer operação matemática definida, comporta-se como um elemento que absorve qualquer número: nullity mais qualquer coisa é nullity, nullity vezes qualquer coisa é nullity, nullity dividido por qualquer coisa é nullity, e assim por diante. Cabe dizer também que nullity se situa na n-ésima coordenada de um espaço projetivo em cujas $(n-1)$ -ésimas coordenadas está o restante dos transreais: nullity vê a totalidade dos transreais de fora, desconexo das relações de continuidade e de ordem presentes com os outros números; nullity, neste sentido, é um número aristocrático, nietzschiano, de onde se apercebem as outras entidades numéricas de forma sub specie aeternitatis.
Além do mais, cabe dizer aqui que o espelho de Cantor, incapaz de gerar um nome para a indeterminação causada quando se colocam dois infinitos tensionados dialeticamente, dentro da aritmética transreal, consegue estabelecer um nome, um único objeto, para esta suposta indeterminação resultante da subtração de infinitos. Isto é, na aritmética transreal, vale a seguinte identidade:
$\infty - \infty = \Phi$.
E é justamente a partir desta identidade que a especulação alegórica entre Matemática e Teologia terá início.
Partamos da narrativa cristã segundo a qual o Homem, inicialmente postado no paraíso em simbiose com Deus, foi retirado desta situação pelo pecado original, um pecado que representa uma falta ou um débito infinito em relação à sua condição inicial de Senhor ou Pastor do Paraíso – Adão, em síntese. Desta forma, consideremos que o Homem estava em $0$ e pelo pecado original foi lançado a $\infty$. Chamemos o deslocamento pecado original de $Or$. Temos então tal situação assim ilustrada em uma álgebra trans-vetorial:
$0 \hspace{2mm} \rightarrow_{Or} \hspace{2mm} - \infty$
Dado isto, como pode o Homem pagar sua dívida infinita e voltar ao Paraíso, ao estado $0$ de sua condição primeira? Se admitirmos que a aritmética dos infinitos é uma imagem alegórica da Teologia de matriz judaico-cristã, então a única maneira de ocorrer a volta ao estado de inteireza inicial é através do deslocamento simétrico $\infty$: o Homem salda o débito infinito e volta ao paraíso, e para pagar tal dívida é necessário que Deus –Pai, na figura do Ser infinito $\infty$, se ofereça como sacrifício; dai em diante, as aritméticas surreais e hiper-reais nos mostram a lógica da expiação:
$- \infty \hspace{1mm} \rightarrow_{\infty} \hspace{1mm} 0$
A expressão acima nada mais do que uma outra maneira de dizer que:
$\infty - \infty = 0$
Mas tentemos enfatizar o papel de Deus-Filho nesta lógica expiatória. Admitamos que Deus-Pai se oferece em sacrifício, mas que agora a alegoria matemática adequada para ilustrar tal processo é dada pela aritmética transreal. Neste caso, temos que:
$- \infty \hspace{2mm} \rightarrow_{\infty} \hspace{2mm} \Phi = 0/0$
A expressão acima (um outro modo de apresentar a identidade $\infty - \infty = \Phi$ nos diz que o sacrifício de Deus-Pai é igual a nullity. Como nullity pode ser visto como a superposição de todos os números reais, por analogia tomemos que nullity, nesta alegoria teológica (“toscamente” construída, diga-se de passagem), representa a superposição ou o almágama de todos os débitos individuais que foram pagos de uma só vez por Deus-Pai. Mas Deus-pai é o infinito $\infty$, e não hesito em chamar de Deus-Filho à figura matemática de nullity. Por conseguinte, o sacrifício de Deus-Pai não nos leva imediatamente ao Paraíso, à nossa inteireza inicial, mas sim ao Deus-Filho; é Ele que restitui a condição adâmica perdida; é Ele que nos leva ao estado $0$.
Mas como Deus-Filho no leva de volta ao Paraíso? Resposta: pelo amor que Dele “procede”, uma função A que será “toscamente” chamada de “Espírito Santo”. Assim, temos:
$\Phi = 0/0 \hspace{2mm} \rightarrow_{A} \hspace{1mm} 0$
Aparece, então, a Cadência Tonal da Soteriologia Cristã, a saber:
$0 \rightarrow - \infty \rightarrow \infty \rightarrow \Phi \rightarrow_{A} 0$
Começamos no Paraíso ($0$) e de lá nos afastamos infinitamente ($- \infty$). Depois, Deus-Pai se oferece em Sacrifício para saldar nossas dívidas, e estas são pagas no sacrifício de Deus-Filho (F); Este, por sua vez, pela ação do Espírito Santo, nos leva de volta ao Paraíso (0). E o pressuposto fundamental desta triangulação que nos leva de volta ao Paraíso é a Santíssima Trindade:
$<\infty, \Phi, A>$,
A qual eu tomo como sendo definida por:
$<\infty, \Phi, A> \equiv_{df} \hspace{2mm} <\infty = \Phi>$,
o que nos dá a seguinte equivalência entre as lógicas expiatórias de natureza surreal e transreal:
$0 \rightarrow - \infty \rightarrow \infty \rightarrow \Phi \rightarrow <\infty = \Phi> 0 \equiv 0 \rightarrow - \infty \rightarrow \infty \rightarrow 0$
Mas deixemos tais Cadências, muito esquemáticas e quase que criptográficas, para uma outra tosqueira. Por enquanto, é suficiente ter em mente que a Matemática dos Infinitos, sejam estes surreais ou transreais, são alegorias da Soteriologia Cristã. Levemos em conta também que Nullity, este número não-finito que se comporta como nome equívoco, pode ser associado, segunda a minha “tosquice” permite ver, à figura do Cristo.
Avante, “Toscos”!
Nenhum comentário:
Postar um comentário