Tosqueiras Musicais

quinta-feira, 2 de março de 2017

"TOSQUEIRA" 11: Lógica e Ética: Inseparabilidade ou Divisibilidade Estrutural?

Bhryan Vinicius Da Vinsi

Neste pequeno texto, trataremos dos processos de argumentação em duas grandes áreas da Filosofia: Lógica e Ética e suas características estruturais. Primeiro, através de uma pequena diferenciação dos processos argumentativos de ambas e, posteriormente, apontando suas diferentes finalidades e desenvolvimentos teóricos. 

Ainda que o conceito de argumentação pareça claro, devemos caracterizar primeiro de forma geral o que é o processo de argumentação. 

Sendo assim, a argumentação segue um processo de inferência básico, passando de premissas – antecedentes – para conclusões – consequentes -. Tal processo foi herdado da lógica tradicional, embora alguns também afirmem que é apenas uma sofisticação do lógos grego. 

A verificação desse processo de passagem das premissas para as conclusões é feita através de critérios estabelecidos e intersubjetivos. A aceitação do valor de verdade das proposições, premissas ou conclusões, também é intersubjetiva. 
                                                                                                   




Para facilitar o estudo e a realização desse processo de pesquisa seguiremos o processo mais simples de argumentação: duas premissas e uma conclusão e aceitaremos que o valor de verdade é VERDADEIRO sem atentar à justificação das proposições. 


Argumentação Lógica e Argumentação Ética 

Como já dito anteriormente, uma argumentação passa por relações entre proposições que podem constituir raciocínios, e neles serem explícitas crenças em atitudes proposicionais de conhecimento. Tais crenças podendo afirmar descritivamente um estado de coisas ou uma justificação do conhecimento sobre algum fato. Na lógica o processo leva a um conteúdo descritivo ou teórico, conceitual, já na ética leva a um conteúdo prático. 

Ao tecer proposições declarativas, ou seja, que definem caracteristicamente algo, é utilizado um conhecimento previamente justificado por outras proposições que interligadas geram um sistema de crenças da pessoa que o fez. Tal processo de interligação pode ser colocado, ao menos parcialmente, em formatos lógicos nos quais a justificação das proposições nos mostra se a proposição argumentativa é válida ou não. 

Já nas proposições éticas há outro fator determinante para a construção de uma proposição: o conteúdo da proposição afirmante em conexão ao que é afirmado por uma moral ou teoria ética. Com esse fator, uma proposição ética pode possuir outros fatores determinantes no processo de argumentação que não sejam as premissas e a conclusão, podendo dar novos rumos e transformar o que era uma proposição argumentativa em proposição prescritiva, imperativa, etc. Uma proposição ética prescritiva estará vinculada a concepções éticas que possuem dogmatismos, costumes, filiações religiosas, etc. Uma proposição ética imperativa vem acrescida de verbos no imperativo: “faça”, “aja”, “seja”, etc. Por essas características, as ignoraremos aqui, já que tal sentido imperativo retira totalmente da proposição as premissas e conclusões, dando a ela um caráter de regra estruturalmente incontestável dado que com premissas verdadeiras, a conclusão é obrigatoriamente verdadeira.

Mesmo as proposições éticas prescritivas podem mostrar encadeamentos argumentativos que não seguem as regras de inferência estabelecidas pela lógica e é isso que difere proposições éticas de proposições de fundo teórico, que seguem formas declarativas e tem características veritativas, ou seja, tem valoração de verdade. 

Proposições éticas dependem de fundos filosóficos antecedentes, sendo eles parte de filosofias morais ou teorias éticas. 

Tais fundos éticos, sejam eles morais ou teorias éticas, são elementos adicionais no processo de inferência argumentativa e podem obrigar o aumento da concepção argumentativa, gerando um “além de...” a frente dos conhecimentos teóricos. Diante do processo de inferência, “ir além de” pode gerar uma nova etapa argumentativa que não faz parte da relação encadeada entre proposições e conclusões definida pelo princípio básico da lógica. Este aumento traria a teoria ética para a posição de anterior ao processo de inferência das proposições e abrangeria todo o conjunto do argumento. Com isso, a conclusão seria apresentada como uma proposição ética prescritiva, e nela, a relação de causalidade entre as premissas e a conclusão estaria sob moldes diferentes do princípio básico da lógica, afinal, a proposição da conclusão se deu de forma diferente, sendo de fundo prático e não teórico ou descritivo. 

Uma proposição prática, ao inserir a ética no processo de inferência argumentativa estabelece uma condicionalidade de agir prático, gerando causalidade prática. Tal causalidade prática transforma a conclusão numa ação que DEVE ser feita, sustentada pela condicionalidade e a determinação de compromisso para com a ação. Esse compromisso remeterá à moral ou à teoria ética, ligado pela – novamente – condicionalidade e causalidade prática inserida nas premissas. É possível também que que a teoria ética não participe do processo antecedente de inferência, e ainda assim, interfira no consequente por fundamentos de filosofia moral ou teoria ética, ainda que de forma implícita. 

Há dois exemplos que podem ser utilizados para ilustrar tais processos de inferência sob influência da ética: 

EXEMPLO 1:

Premissa A1 – Uma proposição sobre fatos (de caráter descritivo, sendo factual ou teórico): No transporte público acaba de entrar uma gestante que necessita de assento para sua segurança. 

Premissa B1 – Uma proposição sobre fatos: Eu estou em boas condições físicas para permanecer de pé. 

Conclusão C1 – Uma proposição ética (não tem caráter descritivo, factual ou teórico, mas fundo prático): Eu devo levantar-me e oferecer à gestante o assento. 

Neste exemplo, é claro o funcionamento do processo argumentativo onde a ética não participa – inicialmente – do processo de inferência, mas interfere na conclusão alcançada pelo processo. 

Embora implícito, no exemplo foi usado como parâmetro ético o Imperativo Categórico, de Kant, ainda que sua discussão ética não tenha sido apresentada e nem mesmo seja o foco desse texto. O próximo exemplo talvez ilustre ainda mais a influência ética e a desestruturação do processo lógico de inferência causado por ela ao explicitar o Imperativo Categórico em forma de Antecedente ético no processo de inferência. 

EXEMPLO 2:

Premissa A2 – Uma proposição ética: “Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal”. 

Premissa B2 – Uma proposição sobre fatos: há uma gestante precisando de assento no transporte público e eu tenho boas condições físicas para permanecer de pé (uma proposição composta, aliás, pois depende do conectivo E para sua estruturação). 

Conclusão C2 – Uma proposição ética: Eu devo levantar-me e oferecer à gestante o assento. 

Neste segundo exemplo é explícita a influência da ética nas proposições que fazem parte do processo de inferência e determinam, por condição, a conclusão. 

Com estes dois exemplos, é claro o conceito de argumentação lógica na ética defendido por aqueles que consideram ambas áreas filosóficas como inseparáveis. 

Ao análisar de forma lógica os dois exemplos propostos para averiguar a validade do argumento e ignorar os seus conteúdos práticos, visualizamos de forma clara as pressões entre ética e lógica. No primeiro exemplo, a inferência exige a verdade da conclusão. Com isso, a lógica força a validade da conclusão como verdadeira. No segundo exemplo, a ética participa das premissas e, embora não haja força da lógica na conclusão, a ética nos força a abrandar o método de inferência ao aceitar uma proposição prática (não teórica, factual ou descritiva) como premissa lógica. Dessa forma, ao analisarmos de maneira prática (através de uma lente ética ou moral), temos um paradoxo: apenas a conclusão passa a ser prática, pois sustentada por uma filosofia moral ou ética, a primeira premissa ( Premissa A2 – Uma proposição ética: “Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal”.) passa a ser teórica e com isso, não prática, alterando todo o processo de inferência e seguindo outros caminhos que não os da lógica para o processo de inferência. 


Objetividade: Virtude ou Ingenuidade? 

Alguns teóricos da ética defendem a ideia de que a lógica e a ética são “aliadas” inseparáveis, com diversos argumentos para justificar tal consideração. Um deles, John Corcoran, utiliza o conceito de Objetividade da lógica para tal. Após analisar alguns trechos do que ele afirma, ilustraremos exemplos de seus processos de inferência. 

Ele diz: “A objetividade envolve o que tem sido chamado de amor pela verdade, devoção à verdade, lealdade à verdade. Isso é reconhecido como um traço caracteristicamente humano que serve para unificar a raça humana. É ao mesmo tempo uma virtude ética que requer cultivo. O objetivo primário da lógica é o cultivo da objetividade. A lógica visa conceitos, princípios e métodos que são úteis para fazer com que a mente de alguém se acomode aos fatos.”

É possível observar, na breve definição acima de objetividade, que Corcoran considera a objetividade como uma virtude ética a ser cultivada. Partindo, novamente, para um processo de inferência ilustrativo, não será difícil observar uma alteração estrutural no processo lógico para tal afirmação.

Corcoran diz ainda: “É possível cooperar no objetivo, ao mesmo tempo nobre e prático, para superar a ignorância e a falibilidade tanto quanto possível. A objetividade automaticamente envolve cooperação e prevenção de enganos, sejam enganos de outros ou por outros, ou mesmo o autoengano.” 

É observável neste caso, outra interferência de uma filosofia ética ou moral no processo de argumentação, e ilustraremos isso em breve. Vemos agora que Corcoran trata a objetividade como uma Máxima universal que é, depois de cultivada, aplicada cooperativamente, num sentido de unidade moral. Temos, nesse caso, um princípio lógico transformado em um “idealismo” de fundo prático. Corcoran vai além: “Em muitos casos, a compaixão e a objetividade reforçam-se mutuamente. A compaixão não apenas não exclui, mas efetivamente exige a objetividade, e esse não é um caso isolado. Todas as virtudes são compatíveis com a objetividade, e a maioria delas, senão todas, exigem-na a fim de serem eficazes e benéficas.” 

Nesse caso, há um problema estrutural no argumento. Corcoran coloca a objetividade como um consequente da virtude, ao passo em que na verdade ela é, dentro desse completo processo argumentativo, um antecedente. 

Ainda sobre a Objetividade, de modo isolado, ela nada tem a ver com virtudes, unidades éticas ou morais. Um argumentador, pesquisador ou curioso pode a utilizar pelos mais diversos interesses próprios e desconhecidos, e a Objetividade ainda será apenas uma ferramenta processual, ao passo em que delimita os passos na busca de um ou vários objetivos, sejam eles quais forem. 

Vamos agora à ilustração pontual dos argumentos de Corcoran e apontar, dentro de sua estrutura, as alterações na estrutura do processo argumentativo que causam a sua desconexão estrutural da lógica, ainda que se dê por um processo derivado da lógica. 

Exemplos:

Premissa X1 – Uma proposição prática: “Devemos agir de forma objetiva para alcançar unidade.”

Premissa Y1 – Uma proposição prática: “Devemos agir de forma unificada em busca da verdade.” 

Conclusão Z1 – Uma proposição prática: “Devemos agir em compromisso com a objetividade na busca pela verdade.”

Ora, é perceptível a interferência de uma filosofia ética ou moral nesse processo de inferência. Em momento algum as premissas foram descritivas, não apontaram características predominantes em algo ou fatores que pudessem influenciar no processo de inferência. Todo processo se deu através do Imperativo: “aja”, “deve”, além de firmar um compromisso do consequente para com o antecedente. Lembrando que aos moldes da lógica clássica, proposicional, não são válidos termos imperativos, já que nesse caso não há inferência. 

Premissa X2 – Uma proposição descritiva: “É possível superar a ignorância e o erro através da objetividade.” 

Premissa Y2 – Uma proposição descritiva: “Agir com objetividade implica em cooperação.” 

Conclusão Z2 – Uma proposição prática: “Devemos agir com objetividade para superar a ignorância e o erro.”

Vejamos: além de considerar que há uma intenção prévia – baseada em preceitos morais ou éticos, fundamentados pela primeira conclusão, dos exemplos 1 –, há ainda um erro estrutural no argumento, já que a conclusão, através das premissas 2, só se adequa aos moldes de inferência lógica após o processo de inferência do exemplo 1. De maneira isolada, apenas incorreria ao mesmo erro estrutural do primeiro exemplo, ao permitir que um fundo prático interfira no processo inferencial. 


Considerações Finais 

Ainda que a Lógica possa ser utilizada num processo inferencial de discussão ética, para a estruturação de argumentos éticos previamente isolados, e sendo útil no auxílio da manutenção estrutural, defender a Inseparabilidade de ambas é um inocente erro. Ao aumentar a abrangência do processo racional lógico de modo que a ética esteja inserida, alteramos o sistema natural de inferência e deixamos de praticar a lógica para praticar uma “ética prescritiva”. A lógica será sempre uma ferramenta independente e antecedente à ética, nunca uma ferramenta consequente e embora produzam juntas – ética e lógica –, material para muito tempo de conjectura, é apenas enquanto isoladas que alcançam seu potencial teórico e prático. Mantê-las inseparáveis causaria um erro estrutural fadado a atingir um paradoxo infinito, destruindo a capacidade lógica de inferência e delimitando o processo natural de pesquisa, gradualmente resultando na inteligibilidade até mesmo da Objetividade ética proposta anteriormente.

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