Com a palavra, Deus criou o mundo e instituiu a distinção entre transcendência e imanência. Como se deu isto? Nenhuma resposta educada e bem fundamentada pode ser dada a esta questão, mas uma “tosqueira” pode – e deve – oferecer uma “imagem lógica” deste processo.
E é com tal propósito que escrevo esta décima edição da “tosqueira”: oferecer uma possível imagem – que, como tal, namora com o universo da contradição – de como o Mundo veio da Palavra. Não pretendo aqui, humildemente, considerar de forma exaustiva todos os passos da criação do mundo, nem mesmo estou preocupado com os últimos resultados da cosmologia: estes nada me diriam, posto que o que eu quero é ilustrar “a primeira aparição fenomenológica” de um “lógos” que se reconhece como criador do mundo, e não descrever de forma esquemática a passagem da palavra divina à sua aparição como universo físico observável – talvez, daqui a uns dez anos, isto seja possível, mas por enquanto é pura precipitação....
Comecemos, então, com a tese de que Deus “separou” em sua mente infinita uma quantidade infinita de môndas criadas por ele mesmo: em Deus, basta pensar em algo para que este algo seja; a distinção entre sentido e referência, para Deus, é ausente de significado.
O postulado acima, a tese de que Deus separou ou criou uma quantidade infinita de mônadas, será chamada de TESE LEIBNIZIANA – sem referências bibliográficas quanto à razão do nome da tese: tudo “tosco”. Adicionemos a esta tese, a restrição de que a infinitude em questão é do tamanho dos números naturais, isto é, a cardinalidade deste conjunto de mônadas, que chamarei de $M$, é igual a $\aleph_{0}$, o menor cardinal transfinito existente. A tese leibniziana, uma vez acrescida desta restrição quanto ao tamanho do infinito monadológico, será chamada de POSTULADO CANTOR-LEIBNIZ – tenho minhas razões para esta denominação e não as darei aqui, porque julgo irrelevante tal informação – é muita educação estilística para uma “tosqueira”.
Assim, Deus “separou” em seu intelecto o conjunto $M$, mas não só isto: ao mesmo tempo em que Deus separa em seus pensamentos a coleção $M$, Ele “nomeia” todos os elementos de $M$, distinguindo-se deles na qualidade de “Criador”: cada mônada de $M$ aparece ao intelecto de Deus como “criatura nomeada”. Os nomes destas mônadas são constantes lógicas indexadas com a sequência dos números naturais. Deste modo, o conjunto $M$ pode ser considerado como exaustivamente conhecido por Deus, uma vez que Ele sabe a posição, por meio de “pronomes demonstrativos”, de cada mônada em $M$. O mais próximo que nós, meros humanos, podemos nos aproximar disto é através da listagem dos elementos de $M$:
$M = \{m_{1}, m_{2}, m_{3}, ...\}$
Temos, então, que cada mônada é nomeada por Deus através de uma constante indexada por um número natural, e tal postulado que afirma que Deus conta ou nomeia os pontos originários do universo - as mônadas -, através dos números, também se encontra em Cantor, o domesticador do infinito.
Mas a consciência que Deus tem de que Ele é o criador de todos os elementos de $M$ pressupõe que Deus dê um nome a si, e este nome é $m_{\omega}$, em que o subíndice $\omega$ indica o primeiro ordinal transfinito de Cantor, um número inacessível por meio de qualquer procedimento, de sintaxe finita, realizado com os números naturais.
Como Criador das mônadas, Deus coloca diante de si, através de seu intelecto, a intuição imediata das seguintes proposições:
1) $m_{\omega}$ criou $m_{1}$ - em símbolos ordinários da lógica de primeira ordem, tal enunciado é representado por $C (m_{\omega}, m_{1})$, em que $C (x, y)$ é o predicado diádico "$x$ cria $y$";
2) $m_{\omega}$ criou $m_{2}$ - em símbolos, $C (m_{\omega}, m_{2})$;
3) $m_{\omega}$ criou $m_{3}$ - em símbolos, $C (m_{\omega}, m_{2})$;
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k) $m_{\omega}$ criou $m_{k}$ - em símbolos, $C (m_{\omega}, m_{k})$.
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A conjunção de todas as proposições acima listadas se dá imediatamente no intelecto de Deus, e é neste momento, em que Deus se intui intelectualmente como o criador de todas as mônadas, que o LÓGOS divino “aparece” como princípio ordenador do mundo. O mais próximo que podemos chegar da intuição divina que instaura o lógos é através da expressão da conjunção infinita acima mostrada por meio de uma única expressão, sinteticamente intuída pelo nosso intelecto. Consegue-se isto através do operador infinitário de conjunção, presente em linguagens infinitárias, por exemplo, do tipo $L (\omega_{1}, \omega)$, o que nos dá a expressão que segue:
$\wedge_{\hspace{1mm} i \hspace{1mm} \in \hspace{1mm} \omega} \hspace{1mm} C \hspace{1mm} (m_{\omega}, \hspace{1mm} m_{i})$
A expressão acima, que será chamada de PRINCÍPIO DE SURGIMENTO DO LÓGOS – ou, mais simplesmente, $PSL$ – é a maneira de dizer, em linguagem infinitária, a conjunção de todas as proposições listadas acima de 1) até k ) e estendendo-se potencialmente até o infinito.
Desta forma, postulo aqui que $PSL$, quando presente no intelecto de Deus, determina a aparição do lógos divino, e a distinção entre imanência e transcendência se estabelece.
Da mesma forma, as mônadas criadas, através de $PSL$, reconhecem-se como “criaturas”. Isto porque a relação $C \hspace{1mm} (x, y)$ - “x cria y” – admite a forma passiva “y é criado por x”, forma esta que será representada simbolicamente por $C^{-1} \hspace{1mm} (y, x)$. Mas, desta maneira, $C^{-1} \hspace{1mm} (y, x)$ é uma função constante que, para cada mônada $m_{\hspace{1mm} i \hspace{1mm} \in \hspace{1mm} \omega}$, associa a mônada criadora $m_{\omega}$ que é o “nome que Deus dá a si mesmo”. A representação desta relação funcional entre o conjunto $M$ das mônadas e Deus, a mônada $m_{\omega}$, é dada da forma seguinte:
$M \rightarrow^{C^{-1}} \hspace{2mm} \{ m_{\omega} \}$
A expressão acima (“toscamente” escrita) significa que qualquer mônada $m_{\hspace{1mm} i}$ que pertença a $M$ é associada à mônada $m_{w}$ por meio da relação (função) $C_{-1} \hspace{1mm} (y, x)$. Em português claro e simples, "$M \rightarrow^{C^{-1}} \hspace{2mm} \{ m_{\omega} \}$" significa que todas as mônadas foram criadas por Deus.
Por tais razões, postulo que $C^{-1} \hspace{1mm} (y, x)$ é a relação de participação dos entes criados no Criador, e que é por meio de tal relação que as mônadas apercebem a Deus como suas Causas Eficiente, Formal e Final.
E tudo começa quando o intelecto de Deus põe diante de si a conjunção infinita $PSL$. A partir deste “momento da eternidade”, o Mundo se separa de Deus, e a “TRANSCENDÊNCIA COMEÇA JUNTO COM A IMANÊNCIA”.
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