Tosqueiras Musicais

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

"TOSQUEIRA" 6: Números Transreais, Ontologia e o Princípio de não-Contradição

Walter Gomide

Admitamos, inicialmente, que cada objeto com que lidamos, ordinariamente ou não, tenha infinitos atributos. Mesmo que tal tese possa parecer arbitrária, é bem mais intuitiva do que a contraditória que afirma que a quantidade de atributos é finita. 

Desta maneira, concebamos que para cada objeto c, há um conjunto $P$ de seus atributos, e a cardinalidade de $P$ é infinita. A natureza deste infinito cardinal, se enumerável ou não, é algo que deixamos de lado momentaneamente. Usando o axioma da escolha – de fato, a lógica por trás do que está por vir é uma lógica similar àquela que Edward Zalta usa em seus “Abstract Objects” e, portanto, é uma lógica de segunda ordem, enriquecida pela axioma da escolha. Quanto à teoria dos conjuntos que se propõe aqui, isto é algo que deixaremos a definir mais tarde, no decorrer da exposição-, podemos bem ordenar o conjunto $P$, de tal forma que este possa ser apresentado como o conjunto:

$\Pi = [\lambda xF^{1}x, \lambda xF^2x, ..., \lambda xF^{a}x,... [$,

sendo $\alpha$ um número ordinal de Cantor de $n$-ésima classe de números, sendo $n \geq 1$. Os atributos pertencentes ao conjunto $\Pi$  podem ser espácio-temporais ou não.

Na lógica de segunda ordem e “infinitária” em que estamos analisando os atributos de $c$, podemos formular a seguinte conjunção verdadeira:

$\bigwedge_{1}^{\alpha < \beta} \hspace{1mm} [\lambda xF^{\beta}x]c$

Simplesmente, a fórmula acima expressa que todos os atributos que estão em $\Pi$ são propriedades de $c$ – o termo $\beta$ indica a cardinalidade infinita de $\Pi$. Obviamente, se retirarmos pelo menos um atributo de $\Pi$, a fórmula acima se torna falsa, posto que estamos admitindo a validade do princípio de não-contradição, isto é, a fórmula:

$\forall x \hspace{1mm} \forall (\lambda yF^{\beta}y) \hspace{1mm} [\neg ( [\lambda yF^{\beta}y]x \wedge \neg [\lambda yF^{\beta}y]x)]$

é sempre verdadeira.

Dentro da perspectiva ontológica que está sendo proposta neste artigo, podemos dizer que o conjunto $\Pi$ é a essência de $c$.

$\Pi^{(1)} = [\lambda xF^{2} x, ..., \lambda xF^{\alpha}x, ...[$.

Por procedimentos sucessivos, chegamos à sequência de campos ônticos $\Pi^{(1)}$, $\Pi^{(2)}$, ... $\Pi^{(n)}$, ... $\Pi^{(a)}$. O campo ôntico $\Pi^{(\alpha)}$ é o limite deste processo infinitário. Cabe dizer que a natureza deste campo limite pode ser inferida a partir da aritmética transfinita envolvendo cardinais. A cardinalidade do campo inicial $\Pi$ é igual a $\beta$ e, portanto, a cardinalidade do campo limite $Pi^{(\alpha)} é igual a:

$\beta - \beta$.

Sabe-se da aritmética cantoriana dos cardinais transfinito que tal subtração – que nada mais é do que a adição $\beta  + ( -\beta)$ – é indeterminada, isto é, o resultado desta soma tanto pode ser o conjunto vazio, um conjunto finito ou um conjunto infinito de cardinalidade $\beta$. Na realidade, devido a esta indeterminação, Cantor vetou a subtraçao dos cardinais transfinitos. 

Entretanto, na aritmética dos transreais, tal indeterminação na subtração de infinitos é nomeada pelo número “nullity” $\Phi$, o qual é definido como:

$\Phi = 0/0$.

Assim, podemos apresentar a subtração $(\beta  - \beta )$, traduzida para a aritmética transreal, da forma seguinte:

$\infty - \infty = \Phi$.

Este resultado expressa aritmeticamente a indeterminação da subtração entre infinitos, vistos aqui como representativos de cardinalidades de conjuntos infinitos. Assim, o conjunto resultante desta subtração não é definido, podendo tanto ser o conjunto vazio, ou um conjunto finito, ou mesmo um infinito.

Levando em conta esta indeterminação, representemos o campo ôntico $\Pi^{\alpha}$ da forma seguinte:

$\Pi^{(\alpha)}= \{ ... \}$.

Tal representação nos sugere a completa indeterminação do campo ôntico limite, e podemos afirmar que a cardinalidade de tal campo é “nullity”, isto é:

$Card \{ ... \} = \Phi$.

Na realidade, o campo ôntico $\Pi^{(\alpha)}$ representa o nada ontológico, uma situação em que o objeto $c$ está completamente fora de qualquer possibilidade de inserção na lógica predicativa, posto que mal sabemos se ele tem propriedades ou não, uma vez $\{ ... \}$ pode ter elementos ou ser um conjunto vazio. 

De fato, nesta condição limite, nem mesmo podemos garantir do princípio de não contradição. Mas por que razão o princípio de não contradição falharia no caso limite em que ficamos diante do nada ontológico, figurado sob a forma do conjunto indeterminado $\{ ... \}$? Para ver como isto se dá, consideremos uma propriedade qualquer $\lambda x \Omega x$. Esta propriedade, qualquer que esta seja, se aplica a $\{ ... \}$? Primeiramente, para respondermos a esta pergunta, temos de ter em mente que não temos nenhuma intuição da natureza conjuntística de $\{ ... \}$. Como resultado de uma subtração entre conjuntos infinitos, tal conjunto pode ser finito, infinito ou vazio. Mas estas possibilidades não são excludentes entre si; trata-se, metaforicamente, de um conjunto equívoco em que todas estas três possibilidade estão “superpostas”. Assim, os três casos relativos à cardinalidade de $\{ ... \}$ são simultâneos e não dizem respeito a possibilidades lógicas distintas, mas colapsam três casos contraditórios em um só – daí a interdição que a subtração de cardinais transfinitos tem na teoria de Cantor. 

Portanto, não se pode definir se $\lambda x \Omega x \in \{...\}$, e nem se $\lambda x \Omega x \not\in \lambda x \Phi x$. Desta maneira, o princípio de não contradição, expresso sob a forma de:

$\forall x \forall (\lambda y \Omega y) \hspace{1mm} [\neg ([\lambda y \Omega y]x \wedge \neg [\lambda y \Omega y]x)]$,

tem valor indeterminado, posto que a conjunção $[\lambda y \Omega y]x \wedge \neg [\lambda y \Omega y]x$ é indeterminada, e a negação desta conjunção também o é.

“Toscamente” falando, uma ontologia que admita a presença do nada acaba gerando situações em que o princípio de não-contradição é silenciado quanto à sua força lógica.


segunda-feira, 14 de novembro de 2016

"TOSQUEIRA" 5: A Teoria Geral das Sequencias e suas aplicações

Walter Gomide

A terceira parte da “Conceitografia” é uma apresentação geral das leis e conceitos concernentes à noção de “sequência”, uma ideia fundamental no processo de fundamentação lógica de qualquer teoria científica – mais precisamente, o conceito de “sequencia” é a base sobre a qual qualquer discurso pretensamente racional se fundamenta.

Mas o que é uma sequência? Para Frege, sequência é uma relação qualquer entre dois objetos. Em linguagem hodierna e usual da lógica de predicados, uma sequência é uma relação binária qualquer, traduzida para a linguagem do cálculo de predicados como “predicados diádicos”. Na abordagem fregeana, uma sequência é indefinível em termos mais simples e, portanto, é um termo primitivo da lógica. Neste sentido, a legitimidade do conceito de sequência reside na própria intuição lógica, não sendo necessário buscar elementos mais simples com os quais a noção de sequência possa ser definida; sequência é uma noção, por assim dizer e com abuso de linguagem, “axiomática” da lógica fregeana.

Desta maneira, a teoria geral das sequências (TGS) é a exposição das propriedades e leis fundamentais que governam as relações binárias em geral. Portanto, a TGS busca apresentar a estrutura lógica de qualquer teoria em que se faça uso de relações binárias nas mais diversas interpretações que estas possam ter regionalmente, isto é, dentro de contextos teóricos específicos. Assim sendo, a TGS se presta tanto como pano de fundo de uma teoria sobre a causalidade, posto que “$x$ causa $y$” é uma relação binária, como para a fundamentação lógica da aritmética, uma vez que esta se constrói a partir da relação binária de sucessão entre números – “$ n + 1$ é o sucessor de $n$”.

Este alcance quase que irrestrito da TGS é particularmente acentuado por Frege, ao nos advertir, no parágrafo que inicia a “Teoria Geral das sequências” (o parágrafo 23), que “as proposições sobre sequências desenvolvidas no que se segue ultrapassam em generalidade a todas as proposições que podem ser derivadas de qualquer noção particular de sequência”. De fato, a noção de sequência é o fundamento racional de qualquer discurso em que se tenha relações entre objetos. Qualquer correspondência entre objetos que pretende ter força heurística dentro de um quadro teórico tem suas leis e propriedades apresentadas por algum conceito ou proposição da TGS. 

Mais quais são os conceitos fundamentais da TGS que abordam a noção de sequência? O primeiro conceito fundamental que Frege apresenta é o de “propriedade hereditária em uma sequência $f”$. Basicamente, a noção de hereditariedade em uma sequência é o conceito fundamental que serve como substrato lógico que ancora a intelecção de que certas relações binárias, uma vez que indicam a “passagem de um objeto a outro”, realizam tal fluxo, tal passagem, de tal forma que algumas propriedades do objeto inicial se preservam no objeto final da relação: por assim dizer, o primeiro objeto do par ordenado da relação binária “doa” certas propriedades para o segundo objeto do par ordenado. Em símbolos lógicos modernos, a noção de hereditariedade se expressa da forma seguinte:

$Her_{f} F =_{DF} (\forall x)(Fx \rightarrow (\forall y)(f (x,y) \rightarrow Fy))$.

A noção de “hereditariedade em uma sequência $f”$ é apresentada no parágrafo 25 da “Conceitografia”. O que nos diz tal definição é o fato de que, por meio da sequência $f$, uma relação binária adequadamente escolhida, as propriedades de $x$ que são hereditárias, módulo $f$, são transmitidas a $y$. Por exemplo, consideremos a propriedade de ser uma lei da física que governa ou estrutura certa porção $x$ do espaço adequadamente escolhida – um sistema de referência. Concebamos também que esta porção $x$ se relaciona com uma outra porção $y$ do espaço por meio da sequência “$x$ é conexo a $y$” – com certa liberdade no uso da linguagem matemática, coisa de “tosco”, digamos que a conectividade entre $x$ e $y$ signifique a existência de pelo menos um caminho contínuo entre $x$ e $y$. Assim, desde que a propriedade de ser uma “lei física que vale em x” seja hereditária na sequência “$x$ é conexo a $y$”, então podemos inferir que a lei física que vale em $x$ também vale em $y$. Saber ou não se a conectividade entre referenciais é condição para a invariância das leis da física é um problema físico, não lógico. No entanto, se isto não for o caso, isto é, se a mera conectividade entre referenciais não for garantia da invariância das leis físicas, então se busca uma sequência “física” mais adequada para tanto. De fato, pela teoria da relatividade geral, a invariância das leis física é obtida quando os referenciais envolvidos se relacionam pela sequência “$y$ é uma transformação tensorial, covariante ou contravariante, de $x”$ (aqui cabe ser mais preciso quanto aos termos utilizados, mas como o espírito do “insight” é o de “tosqueira” criativa, deixemos isto para outra ocasião).

Na realidade, a TGS consiste em um “sistema de expectativa racional do que encontrar em teorias específicas”. De fato, a noção de propriedade hereditária em uma sequência $f$ é um conceito que nos orienta para pesquisas regionais ou particulares. Seria muito extravagante, por assim dizer, conceber um domínio de objetos, postos em uma teoria, de tal forma que estes não possuam propriedades hereditárias em relação a alguma relação binária. Sem propriedades hereditárias, objetos que se relacionam causalmente não poderiam ser considerados sob conceitos compartilhados, uma vez que são tais conceitos ou propriedades que são transmitidos na relação causal, um exemplo arquetípico de sequência lógica. Em uma teoria onde não há propriedades hereditárias, os objetos devem ser tratados como “nomes absolutos”, sem a possibilidade da intermediação conceitual que possa colocar os objetos sob uma mesma perspectiva conceitual.

O segundo conceito que Frege apresenta na TGS é o de ”$x$ é ancestral de $y$ na sequência $f”$ (parágrafo 26). Em símbolos, tal conceito se expressa da forma seguinte: 

$Anc_{f} (x,y) =_{DF} (\forall F)(Her_{f} F \rightarrow Fz) \rightarrow Fy)$.

O conceito acima é o fundamento lógico da noção de “precedência” entre objetos. Mais precisamente, a noção de ancestralidade em uma sequência nos dá a possibilidade de distinguir uma relação de ordem entre objetos. Suponhamos que estipulemos que haja um ponto primordial de onde o universo observável se originou. Desta forma, este ponto é o ancestral de qualquer outra situação posterior em que o universo se encontre. Tomemos o universo em seu estado atual. Então, busquemos uma sequência adequada para servir de ligação entre o ponto primordial e o estado atual do universo. Sem entrar nas dificuldades cosmológicas que tal ligação possa engendrar, consideremos bem simplificadamente que tal sequência seja “$x$ se expande até $y$”. No estado primordial do universo, deve haver propriedades relativas a este estado que sejam transmitidas pela expansão anteriormente mencionada. Reparemos que a existência de tais propriedades é uma expectativa racional, desde que falemos de uma clara situação de precedência entre as configurações do universo – neste caso, uma precedência temporal. Na situação inicial do universo, havia singularidades físicas, isto é, regiões do espaço de energias ou densidade infinitas. Por conseguinte, podemos esperar que o universo atual, “uma vez que tem por ancestral o ponto primordial”, deva conter singularidades. Reparemos que o conceito de ancestralidade em uma sequência $f$, antes de ser uma noção depreendida da experiência física ou de qualquer outro tipo, é um princípio “regulativo” da experiência; trata-se de uma lei que nos indica como a razão (ou o pensamento puro) espera que a natureza se comporte.

Mas não só na física teórica ou na cosmologia encontramos uma aplicação da noção de ancestralidade em uma sequência. Consideremos agora que estejamos lidando com a noção de proposições em uma prova ou demonstração. Seja $x$ um conjunto de axiomas que são assumidos como verdadeiros. De $x$, podemos derivar $y$ através de uma adequada regra de inferência $f$. Claramente $x$ precede $y$ na demonstração, e a regra de inferência usada para derivar $y$ pode ser vista como uma sequência que transmite certas propriedades dos axiomas para as proposições que podem ser derivadas de $x$ por meio de $f$. No caso em questão, a proposição em análise é $y$. Obviamente, espera-se que a propriedade de “ser verdadeiro”, presente em cada um dos axiomas, seja transmitida a $y$ por meio de $f$. Temos, então, de forma clara, a utilização da noção de ancestralidade em uma sequência no contexto da teoria da prova e, mais uma vez, percebe-se o caráter prescritivo da noção de precedência lógica: a razão nos oferece um conceito que nos diz como uma demonstração ou prova “deve” se comportar.

No parágrafo 29 da “Conceitografia”, Frege apresenta o conceito de “Pertinência à sequência $f$ que se inicia com $x$”. Em símbolos,

$Pert_{f} (x,z) =_{DF} \hspace{1mm} Anc_{f} (x,z) \hspace{3mm} \vee \hspace{1mm} (x = z)$.

A relação acima é o fundamento lógico da noção de estrutura ordenada: é o “índice lógico” de qualquer relação que possa ser vista como ilustrativa da idéia de “menor ou igual”, dentro de um contexto que nos dá um sentido ordinal na estruturação de um domínio: com a relação $Pert_{f} (x,z)$, pode-se falar de primeiro, segundo, terceiro, etc elementos de um domínio de objetos, sempre a partir de uma sequência $f$ que é especificada neste contexto.

Para vermos o conceito acima funcionado como “determinante de expectativas racionais”, concebamos que queiramos determinar a cardinalidade do contínuo em termos de infinitos menores. Sabemos que o contínuo c é maior que “alef zero”, isto é:

$c > \aleph_{0}$

Também sabemos, pela teoria dos conjuntos, que $c = 2^{\aleph_0}$. Desta maneira, há uma identidade demonstrada na teoria dos conjuntos que relaciona os cardinais infinitos c e À0. Mas há algum “alef” indexado que seja igual ao cardinal $c$, isto é, a cardinalidade do contínuo pode ser expresso em termos “alefianos”?

Para responder a esta pergunta, o conceito $Pert_{f} (x,z)$ pode ser útil. Claramente, uma vez que 

$c > \aleph_{0,}$

então a cardinalidade do contínuo pertence a uma série de cardinais que cresce em tamanho a partir de alef-zero, isto é:

$Pert_{f} (\aleph_{0}, c) \hspace{2mm} =_{DF} \hspace{2mm} Anc_{f} (\aleph_{0} ,c) \hspace{2mm} \vee (\aleph_{0} = c)$.

Mas sabemos que o cardinal do contínuo é maior que alef-zero, o que nos permite afirmar, a partir da noção de pertinência em uma sequência módulo $f$, que há alguma sequência que “produz ou gera” o cardinal do contínuo a partir de alef-zero. De fato, pela hipótese generalizada do contínuo, tal sequência é a exponenciação de base $2$ e expoente infinito $X$, de tal forma que:

Existe algum $X$, tal que $2^{X}  = suc (x)$,

Em que "$suc(x)$” é o sucessor imediato de $x$. Por conseguinte, a hipótese do contínuo, particularizada para $X = \aleph_{0}$, é o resultado esperado para a relação entre o contínuo e alef-zero, desde que assumamos que a estrutura dos cardinais infinitos, assim como a dos cardinais finitos, tem uma fundamentação lógica baseada na noção de pertinência em uma sequência $f$, e que a melhor sequência que expressa tal estrutura é a hipótese do contínuo generalizada. Assim, o cardinal $c$ é igual a “alef-um”. O interessante desta proposta fundacional da teoria dos cardinais infinitos é o fato de, com tal fundamento baseado na TGS, mais a hipótese generalizada do contínuo, a estrutura dos cardinais infinitos é isomórfica a dos cardinais finitos: o infinito e o finito, postos em série, são análogos. 

Não só na teoria matemática do infinito se encontram definições cujo fundamento lógico reside na noção de Pertinência em uma sequência $f$. Na Biologia, por exemplo, quando um biólogo busca encontrar o tronco comum entre todas as espécies animais, o que se pretende é uma espécie ancestral da qual todas as outras espécies se derivam. Tal espécie primeira (ou mesmo um indivíduo, singularmente dado), é o ancestral de todas as outras: há uma sequência biológica – a transmissão de material genético, por exemplo- que determina uma sucessão de espécies ou de indivíduos que pertencem à sequência biológica “$x$ transmite material genético para $y$” que se inicia com o hipotético ancestral. 

No parágrafo 31 da TGS, frege apresenta a noção de “procedimentos muitos para um”. A saber:

$Un(f) =_{DF} (\forall x)(\forall y)(fxy \rightarrow (\forall z)(fxz \rightarrow y = z)$.

A expressão acima nos dá a definição formal de uma sequência, em si mesma uma mera relação diádica, que é funcional, isto é, para dois objetos quaisquer $x$ e $y$, se $fxy$ e $fxz$, então $y$ é igual a $z$. Na ciência, em especial na física, o conceito de função é de fundamental importância. Como exemplo, podemos tomar o conceito de trajetória, uma função definida nos instantes de tempo e cujo conjunto imagem são pontos do espaço (vale lembrar que o primeiro tratamento matemático dado ao conceito de trajetória no sentido de uma função de instantes de tempo nos pontos do espaço foi dado por Nicolau de Oresme, nos séculos XIV-XV). 

Com o conceito de procedimento unívoco, Frege apresenta o substrato lógico de uma noção que, aparentemente, poderia estar ancorada em algum tipo de privilegiada intuição física ou empírica. Mas Frege tem de colocar todos os instrumentos conceituais necessários à feitura de teorias científicas dentro de noções definidas na TGS e, obviamente, a noção capital de correspondência funcional não poderia estar ausente do quadro das noções cujo fundamento é lógico. Frege “turbinou” a lógica afim de que esta se apresentasse como porto seguro de qualquer construção lógico-discursiva com pretensões racionais. Sem dúvida, um projeto para lá de ambicioso que só um “grande tosco” como Frege, um escorpiano arretado que nasceu aos oito de novembro de 1848, poderia levar adiante; e Frege pagou caro por tal projeto: um preço que poucos estão dispostos a pagar – coisa de “tosco”...

terça-feira, 1 de novembro de 2016

"TOSQUEIRA" 4: Uma proposta metafísica e matemática para a criação do mundo.

Walter Gomide

1) A “CRIAÇÃO” METAFÍSICA DO MUNDO SEGUNDO LEIBNIZ.

Segundo Leibniz, o mundo foi criado por Deus a partir de uma “escolha do melhor dos mundos possíveis”. De fato, na mente Deus estão todos os mundos de forma atual, isto é, todos os mundos residem no pensamento de Deus em sua compleição, em sua plena atualidade. Dada esta situação só compreensível exaustivamente para a intelecção divina, Deus opta por um destes mundos e o faz real, no sentido de ser este mundo fruto da opção divina aquele que se faz acessível à experiência humana: o homem, na sua condição de agente epistêmico, interage com uma realidade que veio da mente de Deus, e Deus escolhe o mundo físico que nos circunda como o mundo real a partir de propósitos insondáveis à razão humana. A única pista que temos desta escolha, segundo Leibniz, é que tal opção por este mundo em detrimento de outros se deu porque o mundo em que vivemos é o melhor dos mundos possíveis. 

Mas por que o mundo físico circundante é o melhor dos mundos possíveis? Talvez, por um motivo de economia de informação, seja o mundo que Deus mantém atuante com o mínimo de energia necessária para o seu funcionamento. Ou, ainda, poder-se-ia considerar o mundo físico como aquele com as leis estruturantes mais simples possíveis e, neste sentido, seria o mundo com a menor complexidade concebível. Enfim, as razões que levaram Deus a escolher este mundo e não outro podem ser encontradas através de explicações que, em certa medida, apelariam para a idéia de um Deus que opera em sua criação com a maior parcimônia possível: Deus opta por um mundo em que sua atuação não tenha que se dar a todo instante, a todo momento; Deus opta por um mundo com a maior autonomia possível, um mundo em que a necessidade de intervenções milagrosas seja mínima. Seja como for, Deus “escolhe” o mundo que é o mundo físico real, observável, e este mundo é o “melhor” deles – talvez, em sentido oposto à argumentação anterior baseada em um Deus da parcimônia e discreto, o fato de este mundo ser o melhor de todos resida no fato de ser o mundo que Deus mais ame e, por isto, o próprio Deus quira intervir a todo momento, de forma absurda e inexplicável; talvez este mundo seja o lugar em as epifanias e milagres mais aconteçam e, por esta razão baseda no amor de Deus, seja o melhor possível.

Mas como podemos entender, esquemática e limitadamente, como se dá a escolha do mundo real a partir de uma infinidade de mundos atuais que residem na mente de Deus? Um ponto a ser enfatizado nesta questão é o seguinte: sejam quais forem os motivos que levam a Deus a escolher este mundo em detrimento de outros, Deus “escolhe”, isto é, sua ação é livre e, como tal, não é determinada por um processo superior à sua vontade. Dito de outro modo, não é possível concebermos condicionantes da vontade de Deus que não sejam os seus propósitos: Deus age livremente com “estratégias” insondáveis ao intelecto humano. Portanto, qualquer que seja a forma como esquematizemos a criação do mundo, esta forma ou maneira tem de levar em conta a liberdade divina. 

Consideremos, então, um esquema para a criação do mundo inspirado na filosofia das mônadas de Leibniz. As mônadas, na concepção leibniziana, são átomos bem definidos de natureza espiritual que constituem a natureza das coisas. Segundo o próprio Leibniz:

A Mônada, da qual vamos falar aqui, não é senão uma substância simples, que entra nos compostos. Simples, quer dizer, sem partes (Leibniz, M.1, 1720).

Uma das consequências da simplicidade inerente às mônadas é seu caráter inextenso. Uma vez que as mônadas são pontos simples ou os átomos da natureza, então elas não tem extensão, posto que a extensão é uma característica daquilo que é composto de partes, e não do que é absolutamente indivisível. Conforme Leibniz:

Ora, onde não há partes, não há extensão, nem figura, nem divisibilidade possíveis. E tais Mônadas são os verdadeiros Átomos da Natureza e, em uma palavra, os Elementos das coisas (ibidem, M.4)

Desta forma, as mônadas são os elementos simples da natureza e que não têm extensão. Portanto, a diferenciação entre uma mônada e outra não se dá, então, por fatores externos como a figura ou a forma geométrica, mas através de um princípio interno de atividade. Cada mônada tem um dinamismo interno que lhe é próprio, e este dinamismo gera uma vida interna que se caracteriza por percepções e modificações; e é esta vida interna, a apetição, que é diferente em cada mônada, o princípio que imprime a identidade monádica (ibidem, M.7 = M.11). Além disto, as mônadas se organizam de tal forma que, dentre elas, algumas têm mais apercepção ou consciência de suas percepções, e outras têm menos. Entretanto, é bom que se frise, toda mônada tem uma atividade interna, a sua apetição, da qual algumas têm mais ou menos consciência. Neste sentido, podemos afirmas que Leibniz dotou os átomos constitutivos da natureza de atividade, de dinamismo, o que é algo em estrita oposição ao mecanicismo cartesiano que pressupunha o mundo físico como extensão material pura que obedece a leis geométricas que não levam em consideração qualquer tipo de dinamismo.

Deus cria uma infinidade de mônadas, e estas vêm de Deus por fulgurações. Desta forma, as mônadas surgem por Deus, e Deus é a causa primitiva de todas as mônadas. Cada mônada deve seu ser a Deus, e Deus é a mônada primeira de onde todas as outras surgem por emanação ou espraiamento. Conforme Leibniz:

Assim, apenas Deus é a unidade primitiva, ou substância simples originária da qual todas as Mônadas criadas ou derivadas são produções, e nascem, por assim dizer, por Fulgurações contínuas da Divindade de momento em momento, limitadas pela receptividade da criatura, à qual é essencial ser limitada (ibidem, M.47).

Leibniz propõe uma configuração metafísica em Deus cria as mônadas por fulgurações contínuas. O que parece ser sugerido por Leibniz ao usar a expressão “contínua” é o fato de Deus criar o dmundo a cada momento: a cada instante de tempo, um “jorro’ de mônadas é espalhado de Deus para o mundo, e tal espalhamento garante, por assim dizer, que um contínuo de mônadas, em com suas atividades internas, garanta o funcionamento do mundo com harmonia preestabelecida. 

A partir da criação e sustentação do mundo real, composto de mônadas simples e derivadas (mônadas compostas), vem a questão de saber se não haveria a possibilidade lógica de haver outros mundos distintos deste que se confunde com o nosso mundo observável. De fato, é perfeitamente concebível para Deus que ele emane ou cria sucessivamente mônadas diferentes destas que constituem as unidades simples da natureza. Também é perfeitamente plausível que as mônadas compostas sejam outras, se Deus houvesse concebido o mundo como diferente.

Mas Deus concebeu o mundo da forma como ele é por ser este mundo o melhor dos mundos possíveis: o mundo real é o mundo dos mundos possíveis, e o outros mundos dormitam atual e silentemente nos pensamentos de Deus tal qual palavras que nunca serão ditas.

Cabe salientar que Deus optou por este mundo, e não por outro, dotado do pleno exercício de sua infinita Liberdade, uma vez que esta decorre do fato da Vontade de Deus não ser determinada por nada que não seja a plena e infinita autoconsciência de si de que goza Deus. 


2) UMA PROPOSTA DE “CRIAÇÃO” DO MUNDO A PARTIR DE LEIBNIZ E CANTOR.

O que se segue nesta secção é uma proposta de criação metafísica do Mundo real a partir do esquema monadológico leibnizianao, assim como de alguns elementos da teoria cantoriana dos conjuntos. Comecemos com a hipótese de que Deus cria uma quantidade infinita e enumerável de mônadas. Segundo se sabe da teoria de Cantor sobre os números transfinitos, sob tal hipótese, a cardinalidade das mônadas criadas por Deus é $\aleph_{0}$. Esta quantidade infinita de mônadas não emanaria a todo momento de Deus como é dito por Leibniz, mas em único instante, um instante ou situação puramente metafísica, um início absoluto que se dá na mente de Deus e cujo funcionamento fenomenológico nos é completamente inacessível, posto que conhecer a natureza deste contexto fenomenológico implicaria em conhecermos a consciência de Deus, o que em tese é impossível ao homem

Dada esta quantidade inicial e infinita de mônadas, estabelece-se uma “configuração metafísica” na qual todas as mônadas se relacionam com Deus como sendo suas criaturas. O que está sendo dito aqui é que cada mônada, de alguma forma, sabe ou sente em sua atividade interna que ela, a mônada em questão, foi criada por Deus. Dito de outro modo, Deus imprimiu em cada monada a sua marca, e as mônadas tendem a voltar-se a Deus em sua atividade interna; e é por meio desta reminiscência ou lembrança de Deus que as finalidades ou propósitos de cada mônada se fazem sentir nas atividades internas monádicas. Metafórica ou alegoricamente falando, todas as mônadas “reverenciam” a Deus como seu criador, e esta reverência se dá de forma consciente ou meramente com um sentir no qual se percebe alguma teleologia. 

Por sua vez, Deus, o criador, se vê como o autor das mônadas e, por amor (um Amor infinito que seria a atividade superior que somente Deus tem) ele se relaciona com todas as mônadas. Pode-se-mesmo dizer que Deus vê ou apercebe todas as mônadas como “criaturas” que dele dependem, e assim se estabelece o vínculo de Criador absoluto de tudo que existe. Desta forma, enquanto as mônadas se vêem com criaturas de Deus, Deus se apercebe como Criador, e é o seu Amor infinito e onipotente – a garantia de sua absoluta Vontade livre e criadora – que perpassa cada mônada criada. Desta forma, as relações “$x$ é criatura de $y$” e sua inversa “$y$ é criador de $x$” estão na base metafísica da criação do mundo.

A partir desta configuração que se estabelece com as relações acima citadas, surge a questão de como Deus cria o mundo real. O que é proposto aqui difere da proposta leibniziana, embora compartilhe a base conceitual de Leibniz. Uma vez que haja uma quantidade $\aleph_{0}$ mônadas, Deus pode agrupá-las, em sua totalidade, uma quantidade contínua de vezes, e cada unidade deste arranjo é um mundo possível. Cabe notar que cada sequência de mônadas constitui um mundo possível de medida nula, posto que constituídos por uma quantidade infinita e enumerável de mônadas. Assim, os mundos possíveis, assim como as mônadas, são entes inextensos que estão situados na mente de Deus como pensamentos prontos e atuais. Mas como se operam os arranjos monádicos que Deus realiza nos silêncios insondáveis de seus pensamentos? Haveria alguma regra por meio da qual Deus ajunta as mônadas para formar mundos?

A tese que se toma aqui é a de que Deus, a partir do estoque inicial de mônadas, escolhe livremente as mônadas que constituirão um dado mundo possível – reiterando, cada mundo possível é sequência de mônadas. Após um mundo possível estar completo, Deus forma outro mundo escolhendo outro mundo da forma que ele, Deus, bem entender. Logicamente, Deus pode formar por este processo uma quantidade $2^{\aleph_0} = c$ de mundos, sendo c igual à cardinalidade do contínuo, e não nenhuma limitação ontológica que possa ser atribuída a Deus que lhe impeça de gerar todos estes mundos, de uma vez, em seu pensamento absurdamente infinito. Assim, uma vez de posse deste contínuo de mundos possíveis, Deus escolhe o melhor dos mundos possíveis, que nada mais é do que uma sequência de mônadas (um conjunto de medida nula, cabe ressaltar) a partir do qual os propósitos de Deus serão otimizados em sua criação.

Assim, este esquema metafísico da criação do mundo, baseado em Leibniz e temperado com a teoria dos números transfinitos de Cantor, apresenta a onipotência de Deus operando dentro da sua mais perfeita liberdade e providência: o melhor dos mundos é escolhido para ser o mais ótimo do contínuo dos mundos possíveis.


3) UM ESQUEMA MATEMÁTICO PARA A “CRIAÇÃO” DO MUNDO.

Assumamos a tese, metafisicamente muito forte, de que existem infinitas mônadas Também admitamos que a cardinalidade da totalidade destes mundos, totalidade esta que denotaremos por $\textbf{M}$, tenha cardinalidade igual a $\aleph_{0}$. 

A partir de uma linguagem $L$, podemos nomear cada mônada. Dentre estas mônadas, tomemos uma mônada M de tal forma que possamos estabelecer a função constante:

$f : \textbf{M} / \{$M$\}\rightarrow$ M.



Partamos do pressuposto de que a linguagem $L$ disponha do operador $\varepsilon$ (operador épsilon). Desta forma, podemos definir a expressão (x) como sendo:

$\blacklozenge (x) \equiv_{df} \varepsilon x.f^{-1}($M$,x)$.



De alguma maneira, $\blacklozenge (x)$ caracteriza a “superfície de nível” de M em relação ao conjunto dos mônadas.

Sabemos que a referência do operador $\varepsilon t. \mathrm{\varphi} \hspace{1mm} (t)$ consiste do termo $t$, tal que $\mathrm{\varphi} (t)$ é verdadeira em $\chi$, sendo $\chi = <\textbf{M}, I>$ uma estrutura definida a partir da linguagem $L$. Se mais de um termo em $M$ satisfizer a $\varepsilon t. \mathrm{\varphi} (t)$, então a referência de $\varepsilon t. \mathrm{\varphi} (t)$ é, segundo a definição usual do operador $\epsilon$, qualquer termo que satisfaça $\mathrm{\varphi} (t)$, tomado arbitrariamente. Neste caso, se houver infinitos termos que satisfaçam $\mathrm{\varphi} (t)$, então $\varepsilon t. \mathrm{\varphi} (t)$ é equivalente a uma função escolha. 

No caso de 

$\blacklozenge (x) \equiv_{df} \varepsilon x.f^{-1}($M$,x)$,

todas as mônadas satisfazem a $\blacklozenge (x)$. Deste modo, $\blacklozenge (x)$ é equivalente a uma função escolha que pode tomar por valor, não-deterministicamente, qualquer mônada. De alguma forma, portanto, a relação $\blacklozenge (x)$, aplicada um número infinito de vezes ao conjunto sucessivos $\textbf{M}/ \{$M$, \}$, dá origem a uma sequência:

$M_{1} = <m_{1}, m_{2}, m_{3}, ... >$.

Chamemos $M_{1}$ de um mundo possível.

Uma vez sendo atingida a compleição de $M_{1}$, então uma sequência de mundos possíveis $M_{1}, M_{2}, M_{3}, ...$ pode ser gerada. Cada mundo $M_{i}$ é gerado de forma estritamente análoga à geração de $M_{1}$. Sob a hipótese de que, para todo $k,l,$ tem-se que $M_{k} \neq M_{l}$, e que então a quantidade de mundos possíveis existentes é igual a $2^{\aleph_0}$, e o conjunto

$\prod = \{ M_{1}, M_{2}, M_{3}, ..., M_{\varepsilon},... \}$,

sendo e um número ordinal da terceira classe de números, é o contínuo ordenado de mundos possíveis. Por sua vez, o conjunto $2^{\prod}$ será denominado de hiper-contínuo de mundos possíveis.

A partir de $\prod$, mediante uma “estratégia para a obtenção” do melhor dos mundos possíveis, toma-se um mundo $M_{a}$. a partir da relação

$\varepsilon x. \forall y_{\in \prod} \hspace{1mm} (y \preceq x)$.

De fato, $M_{a}$ é o termo buscado pelo operador $\varepsilon$ na relação acima, em que “$y \preceq x$” significa que $y$ é inferior a $x$.

A partir de $M_{a}$., um contínuo de pontos pode ser gerado a partir de $\prod^{*} = 2^{M_a}$, e todas as medidas possíveis deste conjunto (medidas de Lebesque) serão obtidas em subconjuntos de $2^{\prod^*}$. 



O ESPAÇO METAFÍSICO DA CRIAÇÃO DO MUNDO.

Onde se dão as emanações que originam o mundo? A resposta a esta pergunta será dada a partir da tese de que há uma “distância” entre a mônada superior e o restante das mônadas. Além disto, a relação equívoca que se dá entre a mônada superior e as outras mônadas será tomada como um arquétipo de causalidade metafísica que atua instantaneamente. Para relembramos, foi dito anteriormente que a mônada superior, Deus, é “reverenciada” como origem da criação (O Deus criador) por todas as demais mônadas através da função constante:

$f : \textbf{M} / \{$M$\} \rightarrow$ M.

A função f´é a função participante e indica que o “ser” das mônadas, entes criados, dependem do “ser” de Deus. Por sua vez, a relação inversa:

$f ^{-1} : \{$M$\} \rightarrow \textbf{M} / \{$M$.\}$

é a relação de “participação” de Deus com as mônadas. Em síntese, a participação nos diz que Deus, ente supremo, doa seu ser às monadas por meio de uma causalidade cuja dinâmica se dá no próprio intelecto de Deus e que, portanto, dado que Deus transcende o mundo físico, é da ordem do sobrenatural.

Como foi visto também em momento anterior, Deus, através de suas infinitas escolhas cuja tradução para a linguagem lógica é a relação 

$\blacklozenge (x) \equiv_{df} \varepsilon x. f^{-1} ($M$, x)$

gera o contínuo de mundos possíveis

$\prod = \{ M_{1}, M_{2}, M_{3}, ..., M_{\varepsilon}, ...\}$.

Assim, temos que, para cada mundo possível $M_{k}$, a relação de participação com Deus criador é dada por:

$\{$$\hspace{1mm} \} \rightarrow \blacklozenge_{\omega}(x) \hspace{1mm} M_{k}$

de tal forma que $\blacklozenge_{\omega}(x)$ indica que o mundo $M_{k}$ foi gerado por meio uma sequência de escolhas de Deus de tipo-$\omega$. Portanto, o conjunto $\prod = \{ M_{1}, M_{2}, M_{3}, ..., M_{\varepsilon}, ...\}$ participa de Deus na relação:

$\{$$\hspace{1mm} \} \rightarrow \blacklozenge_{\varepsilon : \hspace{1mm} \omega}(x) \hspace{2mm} \prod = \{ M_{1}, M_{2}, M_{3}, ..., M_{\varepsilon}, ...\}$

em que e é um número ordinal transfinito da segunda classe de números. 

Como já foi visto, podemos gerar o conjunto $\prod^{1}$ a partir de $2^{\prod}$ e, assim, a sequência

$\prod < \prod^{1} < \prod^{2} < ... < \prod^{n} < ...$

Os termos desta sequência, com superíndices $n \geq 1$, são chamados de hipercontínuos de mundos possíveis. 

Tanto o contínuo $\prod$ quanto os hipercontínuos $\prod^{n}$, com $n \geq 1$, são conjuntos com medida diferente de zero e, como tais, são grandezas extensivas.

A fim de derivar o contínuo $F$ do espaço-tempo, admitamos a tese de que Deus escolheu o melhor dos mundos possíveis $M_{a}$. (e esta escolha é representada na lógica pela relação $\varepsilon x. \forall y_{\epsilon \prod} (y \preceq x)$), e o contínuo resultante desta escolha é igual a

$F = 2^{M_a}$.

Tal contínuo participa de Deus através da transitividade das seguintes relações:

$((\{$M$\hspace{1mm}\} \rightarrow \varepsilon x. \forall y_{\epsilon \prod} \hspace{1mm} (y \preceq x) \hspace{1mm} M_{a}) \hspace{2mm} \wedge \hspace{2mm} (M_{a} \rightarrow 2^{M_a} \hspace{1mm} F)) \hspace{2mm} \rightarrow \hspace{2mm} (\{$M$\hspace{1mm}\} \rightarrow \varepsilon x. \forall y_{\epsilon \prod} \hspace {1mm} (y \preceq x); \hspace {1mm} 2^{M_a} F)$.

O puro contínuo do espaço-tempo está no pensamento divino sob a forma do conjunto potência do “melhor dos mundos possíveis”. Chamemos $2^{M_a}$ de a primeira emanação de Deus. De fato, posto que $2^{M_a} \hspace{2mm} \cap \hspace{2mm} \prod \hspace{2mm} \neq \hspace{2mm} \emptyset$, então esta emanação inicial de Deus não se distingue perfeitamente como mundo físico ou atual, uma vez que há uma fronteira em $2^{M_a}$ com aquilo que é possível na mente de Deus.

Podemos afirmar que há uma causalidade metafísica que explica o surgimento de $F = 2^{M_a}$ a partir de Deus (a chamada mônada superior M ). A explicação metafísica para o surgimento de $F = 2^{M_a}$ (no caso, falar em causalidade física é um anacronismo, posto que o mundo físico, como “topografia dos fenômenos observáveis”, ainda não surgiu matematicamente). Tal esquema metafísico é baseado puramente na relação de participação que Deus tem com os entes criados, e o princípio de derivação dos entes criados demanda, uma vez que Deus é tomado como radicalmente transcendente em relação ao que é físico ou espácio-temporal, que Deus esteja posicionado absolutamente fora de qualquer relação espácio-temporal possível.

Avante, "Toscos"!

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